sábado, fevereiro 08, 2003
"O privilégio de ser estudante"
Qual é o privilégio de ser estudante? A questão é levantada hoje no DN, num texto da autoria de Fátima Barros.
O estudante é caracterizado pela falta de interesse e motivação e pela "arrogância, muitas vezes confundida com autoconfiança". Não posso concordar menos. Acredito que nos dias que correm os alunos estejam mais exigentes, por viverem num mundo em que o constante movimento, a inovação e a tecnologia os tenham feito crescer num espaço que se exige motivador, dinâmico e cativante. Mas que tem isto de mal?
Lembro-me de ver alguns professores estagiários, que me deram aulas no ensino secundário, a preparar com muito afinco as suas aulas, na tentativa de as tornar as mais ansiadas pelos alunos. Apresentavam cartolinas coloridas, contavam histórias, faziam-nos rir, ensinavam-nos coisas que nunca tínhamos ouvido e mantinham-nos ali, quase sem vontade de sair para o intervalo. No final, sabiam bem que tinham feito a mensagem passar, que enquanto ficávamos ali presos ao mundo que eles criavam, também ficávamos presos à necessidade de aprender mais sobre as coisas, de compreender melhor as matérias e, sobretudo, presos à vontade de ter mais aulas daquelas. Não estávamos ali "entretidos", como diz Fátima Barros. Estávamos fascinados.
Não me posso queixar de nenhum dos ciclos de ensino por que já passei, mas tenho de confessar que o choque de entrar num mundo tão diferente como o do ensino superior não foi fácil. As aulas impessoais, os grandes anfiteatros, as turmas de 70 alunos, as disciplinas tão estranhas. Não me atrevo a generalizar, como faz a autora do texto do DN. Muitos são os professores que se interessam pelo que estamos ali a fazer, pelo que procuramos, pelo que queremos ser, e muitas são as disciplinas que nos dão vontade de estar lá a aprender mais. Mas não raros são os casos em que o desinteresse e a falta de motivação partem exactamente de quem tem o conhecimento e devia estar ali pelo fascínio de o transmitir: os professores. Sermos olhados como tábuas rasas em que quase tudo está ainda por escrever é mais do que vulgar e também não me incomoda. Penso que esse é o mais correcto ponto de partida e, porventura, o mais estimulante. Que uns vejam isso como profunda ignorância, falta de interesse, capacidades e cultura, parece-me incrivelmente injusto. E é isso que vejo na opinião de Fátima Barros: uma profunda injustiça na generalização que faz porque alguns de nós não vêem a universidade como um posto ou estatuto social, mas sentem-na como um privilégio. E não somos tão poucos quanto isso. Conhecemos muito bem os recursos da sociedade empregues em nós (pelo que diz o texto, quase parece que são “desperdiçados” em nós) e compreendemos que o ensino tem de ser remodelado, devido às muitas falhas que tem. Mas não nos digam que o erro estrutural está em nós e que a mudança tem de começar por aí.
Queremos aulas estimulantes? Sim, queremos. Mas também exigimos “rigor no tratamento das matérias e conhecimentos sólidos”. Quanto mais não seja porque sabemos que só isso poderá servir de base a uma vitória num mundo que de apático, desinteressante e desmotivador terá muito pouco. Não é uma “cultura do facilitismo” e muito menos um processo de vitimização face a um sistema que nos violenta. Mais do que uma exigência, é uma expectativa que esperamos sempre não ver defraudada.
posted by sara |
3:34 da tarde
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